domingo, 22 de agosto de 2021

O dia em que a minha avó inventou o RPG

 Olá 1d4 leitores deste blog que se recusa a perecer em meio ao universo infinito em expansão de informações cada vez mais ininterruptas e inconstantes, hoje começo a postagem com essa citação da wikipedia:

"Pós-verdade é um neologismo que descreve a situação na qual, na hora de criar e modelar a opinião pública, os fatos objetivos têm menos influência que os apelos às emoções e às crenças pessoais."

Hoje o consumo de informação é tão assustadoramente grande que a gente mal para pra decodificar o que tá passando ali na nossa frente, nas telas dos nossos dispositivos tecnológicos de comunicação. O jornalismo já entendeu isso e aposta nas click-baits, os políticos já se sentem a vontade nesse contexto através da disseminação de fake-news pra criar sua própria versão da realidade. Enfim, tem se tornado cada vez mais raro o questionamento das informações que recebemos, tendo em vista que a gente precisa estar atualizado um pouquinho sobre tudo e o fluxo não para.

E se a informação tem todo um apelo emocional, ou ainda, se parte de alguém em quem confiamos, aí é que a coisa fica pior, a gente que mora aqui no Brasil cansou de ver alguma tia falar que "mas quem mandou essa mensagem foi fulana da família, que é de confiança". E quando é algo que a gente gostaria muito que fosse verdade então? Sai espalhando pra todo mundo o fato curioso ou a solução milagrosa de uma pandemia. Tem sido assim nos últimos anos na internet.

Sim dave, e o que isso tudo tem a ver com RPG e com a sua avó? Bom, recentemente eu me deparei com uma interação curiosa no grupo Solo RPG do Facebook, em que o Tarcísio Lucas trouxe uns manuscritos do Dostoievski e comparou com os registros de gameplay que costumamos fazer no RPG Solo e ainda brincou: "e se , Distoiesvski ainda jovem viajou no tempo até nossa época, conheceu o RPG solo, voltou pro passado, e escreveu tudo que escreveu a partir de jogatinas solo?" e em resposta, o Tiago Junges comentou: "acho que Dostoevsky que criou o RPG (como solo), e o Gygax que descobriu o manuscrito e plagiou.(E acabou estragando misturando com wargame)"

Então surgiu na minha cabeça uma ideia pra uma JAM, coisa que eu jamais teria iniciativa se não fosse a liberdade que sinto dentro do ambiente da comunidade do RPG Solo, que incentiva a criatividade e interação dos membros e já promoveu diversas JAMs com participação super ativa da galera. Batizei a JAM de O RPG ORIGINAL e propus o seguinte exercício de criatividade: criar um sistema e uma narrativa que justifique a origem do seu sistema como se ele fosse o RPG original. Utilizando técnicas de simular envelhecimento do papel (café, fogo nas bordas, etc), usar datilografia, o que preferir. Tudo que faça a gente acreditar que o seu sistema facilmente poderia ser o elo perdido do RPG.



Como exemplo, inventei uma narrativa de que, supostamente, minha avó teria criado um método de redação que se assemelha muito aos jogos de RPG e fiz no computador mesmo usando uma fonte cursiva e uma imagem de papel antigo, não chega a ser um sistema completo, mas a ideia da JAM é por aí. E então comecei a espalhar o "manuscrito da minha avó" em diversos lugares da internet, no twitter, em outros grupos de RPG do facebook, no reddit, em servers de RPG no discord...como se fosse verdade.







A repercussão do suposto manuscrito foi curiosa e me levou a refletir e escrever esse texto aqui. Claro, a ideia da JAM parte do princípio que a origem do RPG é meio incerta, o fato é que o D&D se originou nos anos 70 derivado de wargames e dos tais free kriegspiel, mas é difícil determinar com certeza se é ele o inventor da fórmula lúdico-narrativa que o jogo faz uso, há relatos de jogos estilo LARP que datam da União Soviética, 100 anos atrás. Então, o que impede, de uma professora do interior do Brasil ter criado um método de narrativa compartilhada para ensinar redação para os seus alunos? Paulo Freire poderia facilmente ter pensado em algo assim, concorda?

Um dos comentários mais curiosos que vi, foi de um rapaz da gringa dizendo que pretende usar o método da minha vó em sala de aula e pra mim isso já foi o suficiente pra brincadeira ter valido a pena. Isso e os jogos incríveis que o pessoal da comunidade do RPG Solo vai criar como se fossem o RPG ORIGINAL.

Pra quem não me conhece, sou assim.


Enfim, é uma brincadeira inofensiva, peço perdão a todos que ficaram felizes em descobrir que o RPG foi "inventado" por uma professora de literatura do interior, mas a realidade é que mais verossímil: minha vozinha, já falecida, era analfabeta, viveu sua vida no interor, de fato, mas não chegou a frequentar a escola, como boa parte dos seus conterrâneos em um contexto de seca no interior da Paraíba.

Mas fica aqui a reflexão, na era da pós-verdade todo dia é primeiro de abril.

Obs.: No momento que termino de escrever esse texto uma pessoa se manifestou no twitter desconfiada da fonte (que foi muito elogiada pelos desavisados como uma bela caligrafia). Mas meu amigo Ravi foi o primeiro a perceber que era falso e me mandou uma mensagem questionando.

A fonte da bela caligrafia é a RESPONDENT