sexta-feira, 6 de junho de 2025

Tunnels & Trolls

Saudações 1d6-1 leitores! Hoje irei falar de um RPG meio esquecido, um que poderia facilmente ser lembrado pela dita OSR, mas eles só fazem clones de D&D. Pois saiba que, em 1975, ano seguinte ao lançamento de D&D, surgia Tunnels & Trolls, sendo considerado assim o segundo RPG lançado no mundo. 

T&T surge de um modo curioso, seu autor teve acesso aos livros de D&D e curtiu a ideia daquilo ali, um jogo imaginativo de explorar masmorras, derrotar monstros e coletar tesouros, é uma premissa básica, mas as regras não o agradaram Ken St. Andre, que viria a criar a sua própria versão do jogo: mais simples, usando apenas d6 e em um único manual completo pra já sair jogando. 

A partir daí já temos o que pode ser considerado como o primeiro “sistema próprio” inspirado em outro, publicado por uma editora independente, mas não um hack ou clone em suas regras, como se vê aos montes hoje em dia. A ideia aqui era tornar o D&D mais acessível para o que se tinha na época e como ele surge a partir de wargames, muito de suas regras é herança desses jogos, com movimentação, miniaturas, tabelas e mais tabelas, tornando tudo muito complicado pra quem não tem essa experiência prévia.

Então, o que tem de tão diferente assim em T&T em relação a D&D? 

Começando pelos dados, aqui se usam 3d6 para os atributos (que não são muito diferentes de D&D, adicionando aqui o atributo Sorte, pela primeira vez que se tem notícia); 2d6 para testes de sorte e atributos em geral contra um número alvo (com dificuldade baseado no nível da masmorra): tudo isso com a possibilidade de explosão de dados sempre que rolar uma trinca em 3d6 ou uma dupla em 2d6 (TARO e DARO como são chamados aqui). Tudo isso muito mais próximo de um RPG minimalista contemporâneo do que as dezenas de mecânicas diferentes pra resolver cada situação de D&D. 

Classes em T&T são só 3, mago, guerreiro e um ladrão meio mago, que só aprende magia se tiver outro jogador mago pra ensinar o que já rende pano pra manga na mesa. Raças não influenciam tanto, apenas na progressão e no cálculo dos atributos.

Combate acho que é a parte que mais gostei: em T&T cada lado envolvido no combate lança seus dados simultaneamente baseado na soma de armas, magias, atributos e o que sobrar vira dano no lado perdedor, simples assim. Caos total, os jogadores podem dividir o dano entre si, absorver com armaduras (guerreiros tem bônus nesse valor), mas essencialmente é isso. O problema é boa níveis altos que os dados vão se acumulando, mas em jogo deve ser muito divertido rolar uma enorme pilha de dados. Ah! Os monstros possuem só um atributo chamado MR (Monster Rating) que funciona como pontos de vida e quantos dados e bônus de dano eles tem em combate, em T&T não há livro dos monstros. Qualquer ação ou manobra que não seja resolvida com esse conflito de dados é feita com testes de atributo.

Magia em T&T é lançada com pontos de magia (tirados de força nas primeiras edições), nada de sistema de magia diários que você esquece e tal, isso só tem graça nos livros do Jack Vance. 

No geral acho que é isso, se você tiver interesse não deve ser muito difícil de encontrar uma cópia aí pela internet, atualmente existem 7 edições de T&T mas sem mudar drasticamente o sistema como aconteceu com sua inspiração. Inclusive este ano estão lançando uma nova edição, sem envolvimento do autor, que vendeu os direitos, veremos o que mudará.

T&T pode não ter a relevância de D&D mas com certeza é um sistema influente, a chamada “escola britânica” dos RPGs tem muita influência dos módulos solo que saíram aos montes pra T&T, além do uso de sorte e do combate similar dos jogos Fighting Fantasy. Além de possuir regras bem comuns em jogos minimalistas de ainda hoje em dia pra um sistema dessa época, que costumavam ser bem mais crocantes e tentando simular todos aspectos do jogo. 

Pra mim o que chama atenção é ser um jogo mais simples que D&D com ideias de regras bem atuais, partindo de alguém sem nenhum conhecimento prévio de sistemas de RPG e isso por si só já é um legado em tanto. Tunnels & Trolls não é um sistema perfeito mas deixou aí sua contribuição pra quem gosta de modificar e recriar jogos, que é parte da graça do RPG.

Próximo post pretendo trazer algum reporte de jogatina solo de T&T só pra desenferrujar um pouco minha improvisação. Até lá!

Today, "DIY" game innovators think they are emulating Gygax, when in fact they are emulating Ken St. Andre.

Frase de post muito bom sobre a contribuição de T&T (em inglês): https://lichvanwinkle.blogspot.com/2020/05/our-debt-to-tunnels-trolls.html?m=1

terça-feira, 25 de março de 2025

O Auto da Maga Josefa


 

Recentemente eu comentei aqui que tinha sofrido pra terminar minha única meta de leitura de 2024. No último mês consegui finalizar a leitura de A História sem Fim e na sequência, ainda em dezembro, comecei a ler Contos de Dying Earth, de Jack Vance. Se você se interessa por fantasia e RPG, provavelmente já ouviu falar, ele inspirou o sistema de magia de D&D, o tal sistema “vanciano”, que os magos esquecem a magia depois que usam e tem que ficar procurando livros e pergaminhos para conhecer novas magias e tal, é um autor bem influente. Essa seleção de contos que foi publicada recentemente aqui no Brasil tem umas ideias bem legais e tal, mas num geral não me agradou tanto assim, sou meio burrinho e achei alguns contos confusos mas, no geral, criativos.

Terminei de ler Contos de Dying Earth em janeiro e já estava de olho em outros livros pra ler , enquanto buscava obras de fantasia nacionais, me deparei com O Auto da Maga Josefa. Confesso que dei uma acelerada no final de Dying Earth, já não tava me interessando tanto, mas eu queria muito começar a ler O Auto da Maga Josefa, te digo porque: é uma história de fantasia, com criaturas sobrenaturais e tal, que se passa no nordeste brasileiro, em meados dos anos 60. 

O sertão nordestino fantástico é um cenário que me interessa muito, se você já acompanha o blog, sabe que minha campanha de Old Dragon era toda meio inspirada numa mescla de Brasil colonial com sertão e criaturas de D&D, além disso cheguei a esboçar um sistema próprio em um cenário sertanejo que batizei de O Reino Fantástico do Castelo de Mandacaru. Fiquei muito feliz em descobrir a existência desse livro e extremamente curioso pra ler.

Dito isso, O Auto da Maga Josefa é uma leitura extremamente prazerosa, fácil de acompanhar, divertida, com personagens que você consegue identificar tranquilamente como algum conhecido e, o melhor, o cenário é ainda mais familiar do que uma Europa medieval genérica que estamos cansados de ver representada em inúmeras obras de fantasia por aí. Disparado o melhor livro dos últimos que li desde que consegui retomar meu hábito de leitura. Tudo bem que foram só três livros até agora, mas vem mais por aí.

Enquanto buscava obras como o Auto da Maga Josefa esbarrei num movimento de escritores jovens que identificam sua obra como regionalismo fantástico, além de outras obras de realismo mágico brasileiro contemporâneo que já adicionei a lista de interesses pra próxima leitura.

Fico feliz de ter voltado a ler, isso inclusive me incentivou a escrever um conto, sem pretensão nenhuma, só pelo ato de escrever e criar. Talvez compartilhe aqui um dia. Leiam livros, leiam ficção, leiam autores brasileiros e escreva e crie só pela satisfação de criar. A gente vive num mundo onde tudo gira em torno de produtividade e monetização, ter algo que te motiva a criar só por criar é maravilhoso. Bebam água.